Engenheiro e membro da ONGtrem de Belo Horizonte – MG, envia carta à Procuradoria da República do Estado de Minas Gerais sobre a destruição dos bens ferroviários. Veja o teor do ofício, resumido:
O sistema ferroviário nacional vem sendo reduzido a um mero DEPARTAMENTO de empresas exportadoras. TUDO o que não interessa a estas empresas não tem valor ou futuro algum, não apenas na visão destas empresas, mas também na dos órgãos que, pretensamente, deveriam zelar pela sua integridade, e/ou trabalhar para a expansão e a universalização do acesso ao transporte ferroviário.
O DESMONTE do sistema ferroviário nacional, que se inicia na década de 1960, tem sido sistemático, impiedoso, desastroso, impatriótico, insano, maldoso e burro, e mesmo agora, no Século XXI, onde o valor, a conveniência e as vantagens do transporte ferroviário já foram demonstradas à exaustão mundo afora, o Brasil segue trilhando exatamente o oposto, tratando, não só de não investir na sua disseminação, mas de ARRASAR COM O QUE ESTÁ PRONTO. Não cabe aqui repassar todo o histórico desta insanidade nacional, da qual, em tempos recentes, a Resolução 4.131 da ANTT foi estrela de primeira grandeza, mas, expor a última delas, oriunda agora do DNIT, órgão que, em princípio, deveria ser o guardador dos bens ferroviários não em uso pelas Concessionárias. Mas, nem de longe é nisto no que ele se concentra. Muito ao contrário, a trajetória do DNIT tem sido apenas em duas linhas; se livrar do patrimônio do qual deveria cuidar, e trabalhar, não noatendimento do interesse nacional, mas no das empresas que o amealharam.
Portanto, não é de se estranhar que este órgão tenha sido capaz de decretar, há pouco, que TODOS OS CARROS DE PASSAGEIROS, MÁQUINAS E VAGÕES EXISTENTES EM SOLO
NACIONAL, E QUE NÃO ESTEJAM ATENDENDO AOS PATRÕES CONCESSIONÁRIOS DEVEM SER RETALHADOS E REDUZIDOS A PÓ!
Assim, em nome de um combate à dengue, virá o golpe final no que restou das reminiscências do sistema ferroviário nacional que um dia atendeu, de fato, à população brasileira. TUDO irá se acabar DEFINITIVAMENTE, para que não tenha mais nem mesmo a possibilidade de se soerguer. E se um resumo tiver de ser feito do aconteceu sob o olhar complacente da dupla ANTT-DNIT, ele será o seguinte:
– Dos 28.000 km de linhas entregues às Concessionárias em 1996 cerca de 16.000 km se
acabaram na mão delas, sob os olhares complacentes e cúmplices da ANTT e do DNIT. Todas as linhas que foram “devolvidas” pelas Concessionárias, ou já foram “devolvidas” aos frangalhos, ou se acabaram por abandono e impossibilidade de uso por outrem, ou foram diretamente “ofertadas” pelo DNIT para prefeituras “transformarem” em estradas e ruas.
– Milhares de Estações e instalações como oficinas, pátios e depósitos da antiga RFFSA pelo Brasil afora foram abandonados pelas Concessionárias e se acabaram sob o vandalismo e as invasões, tudo naturalmente sob os olhares da dupla ANTT – DNIT.
– Mesma coisa para os milhares de locomotivas, vagões de carga e carros de passageiros,
pelos quais as Concessionárias não se interessaram desde o início, ou então que usaram até o osso, e depois abandonaram.
Então, sobraram hoje:
– De linhas, apenas as que as Concessionárias querem.
– De Estações e oficinas, apenas o que serve diretamente ao negócio delas.
– E de locomotivas, vagões e carros de passageiros, uma mísera fração do que havia em
1996.
Ao longo do tempo, o DNIT, órgão que deveria, em princípio, cuidar do patrimônio não utilizado pelas Concessionárias, só fez trabalhar pela EXTERMINAÇÃO do que não serve diretamente às Concessionárias, como se elas fossem as únicas instâncias neste país a terem o direito de se beneficiar do transporte ferroviário.
Para o minério e a soja, a segurança e os baixos custos do transporte ferroviário. Para a população e suas cargas, as rodovias.
Neste quadro que vem sendo escancaradamente pintado há décadas, não há dúvida alguma: o Brasil não é JAMAIS para ter de volta o transporte ferroviário disseminado, amplo e universalizado. O transporte ferroviário aqui deve se restringir ao que as Concessionárias exportadoras desejam.
A ANTT e o DNIT, sob os sucessivos comandantes que se alternam no Ministério dos Transportes, não têm mais nem mesmo o cuidado de um discurso protocolar que inclua ao menos a gentileza de citar a população como “possível” beneficiária das ferrovias.
ANTT e DNIT NÃO trabalham em função dos interesses da Nação brasileira, mas sim dos interesses comerciais das Concessionárias que hoje fazem e desfazem o que querem com o que sobrou da malha nacional. Em 2013 assistimos à investida terminal da ANTT sobre as linhas férreas pelas quais a Concessionária FCA-VLI não nutria grandes interesses. A Agência queria que fosse erradicado tudo no que a FCA-VLI não queria mais rodar, independente do potencial econômico, histórico ou social representado pelo seu uso em operações menos gananciosas. Agora, assistimos à investida terminal do DNIT sobre o material rodante, pelo qual as Concessionárias não nutrem interesses.
Há anos estas agências fecham o olho tanto à destruição de linhas (que já foi reduzida à metade), quanto à destruição do material rodante (do qual sobra hoje uma mísera fração, aos frangalhos). Não servir aos interesses comerciais das Concessionárias é o suficiente para que estas agências não enxerguem mais nenhum outro potencial ou interesse para a Nação brasileira. A destruição de linhas e a destruição do material rodante sempre foram escancaradas, e tudo sempre muito bem acobertado pela inépcia, malandragem, burrice e conivência criminosa destas agências.
Não é de todo estranho, portanto, que o DNIT tenha sido capaz de produzir a ordem terminal que produziu.
O DNIT é refém total e absoluto das Concessionárias. O DNIT não tem as mais mínimas condições técnicas, humanas, financeiras ou morais de questionar, de se contrapor ou de checar o que vem das Concessionárias. O DNIT não trabalha dentro de visão estratégica alguma para o país. O DNIT acredita que sua função é atender aos interesses das Concessionárias, e que, portanto, acabar com o que não interessa a elas faz parte de sua função. Os interesses das Concessionárias, são os interesses do DNIT e da ANTT.
O DNIT não acredita, e jamais acreditará, que esta estrutura desastrosa na qual o sistema ferroviário nacional se converteu algum dia será mudada, e portanto, ele trabalha apenas para aprofundar o desastre. É o mesmo o que passa pela cabeça da gente da ANTT.
Se o material rodante que está parado não serve às Concessionárias, o DNIT não se julgou obrigado a verificar o que de fato está apresentando perigo de abrigar mosquitos. Ninguém do DNIT saiu em campo para checar nada, ou procurar alternativas. O DNIT não enxerga potencial de uso ou recuperação em nada. O DNIT não pediu auxílio a ninguém, para que inspeções de campo fossem feitas, e alternativas fossem achadas. Nada disso. Tomou sozinho a pior decisão. Exatamente como nunca se importou em receber de volta as locomotivas, no estado em que recebe. Este histórico de atuação não deixa a menor dúvida de que seu objetivo é se livrar do que deveria cuidar.
O DNIT nunca procurou, buscou ou aceitou por avaliações, controles, checagens e propostas diferentes daquelas vindas das Concessionárias, seja em termos de estratégias e políticas para o setor ferroviário, seja para a conveniência ou as avaliações financeiras em suas “permutas”. Além disso, estes arranjos são uma “caixa preta” à qual não é dada publicidade e a sociedade não tem acesso.
Quando acordarmos e olharmos para trás, tudo já estará consumado, e sem volta. Mesmo assim, mesmo que o DNIT seja capaz de fazer propostas do calibre desta ERRADICAÇÃO TOTAL em nome do mosquito, não cabe à sociedade se ajoelhar e colocar o pescoço à mostra. Ao brasileiro é atribuída a mansidão de aceitar sempre qualquer decisão oficial por mais louca e idiota que seja. É hora de acabar com isto.
Já reagimos à ANTT, e não podemos deixar que passe incólume uma decisão do calibre desta de agora. Uma decisão com graves consequências presentes e futuras, das quais lamentaremos para sempre. O DNIT não é o dono do patrimônio ferroviário nacional, é apenas um funcionário péssimo e traidor.
As piores decisões não são para serem aceitas.
__________________________________________________
Quantos países no mundo seriam capazes de produzir uma decisão como esta? Que destino é este o nosso?
Não estamos trabalhando para avançar. Nosso esforço não consegue ir para isto. Ele tem sido para evitar que as coias piorem cada vez mais.
E não nos resta alternativa. A não ser recorrer a esta Procuradoria, na esperança de sermos capazes de estancar mais este desastre anunciado. E desta vez o desastre é de uma iminência desconcertante. O DNIT se comprometeu com esta solução terminal até as chuvas, o que nos dá um tempo beirando a zero.
Atenciosamente,
Engenheiro André Tenuta – ONGtrem – BH
Ofício enviado em 05/09/2016