Após percorrer ruas de Santa Teresa, O GLOBO constata que obras do bonde estão paradas
RIO — As obras do bonde de Santa Teresa já não estão mais a passos lentos. Estão paradas. Uma equipe do GLOBO percorreu na quinta-feira o trecho entre o Largo do Curvelo e o Largo dos Guimarães e constatou que não havia qualquer operário nos canteiros. Segundo o presidente da Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (Amast), Jacques Schwarzstein, desde o dia 27 de abril as intervenções no local estão paralisadas.
— As obras vinham de forma muito lenta, praticamente em passos de tartaruga. Depois, tivemos problemas com os paralelepípedos mal colocados e que, agora, uma outra empresa faz o ajuste deste local. As obras do bonde estão paradas. E quem sofre com isso? Nós, os moradores — lamenta Schwarzstein, acrescentando que a última estimativa, para o fim de 2015, já não será mais viável (inicialmente, a conclusão estava prevista para junho de 2014).
Mas a interrupção das obras não é o único problema para os moradores. De acordo com Jacques, antes de paralisar as intervenções, o consórcio abriu um canteiro com mais de um quilômetro de extensão e meio metro de profundidade, indo do Largo do Curvelo até a Praça Odylo Costa Neto, e ocupando metade da rua.
— Quando a outra empresa começou os reparos no local (parte do trecho que já estava concluído precisou ser refeita), os funcionários do consórcio não apareceram mais. Agora o canteiro está abandonado. O que parece é que há um problema entre o governo do estado e o consórcio — acredita o presidente da Amast, destacando que esse canteiro pega cerca de 200 metros da Rua Paschoal Carlos Magno, o que dificulta imensamente a circulação no bairro.
A dificuldade dos pedestres e motoristas em circular pelas ruas do bairro, segundo Schwarzstein, soma-se ao acúmulo de entulho e poeira, o que acaba afastando os turistas.
— O estado diz apenas que as obras estão lentas. E não nos dá previsão para retorno e nem para a conclusão. Os moradores levam muito tempo para sair do bairro e chegar ao trabalho. Alguns, principalmente idosos e crianças, não conseguem atravessar o valão, porque não existem passarelas, sem falar nos comerciantes. Alguns já estão passando o ponto, pois não conseguem mais se manter no local — diz.
Esse é o caso de Domingos da Silva Cardoso, de 45 anos. Proprietário do Ateliê Camayoc-Huast e morador do bairro há 20 anos, o comerciante já não sabe mais o que fazer para resgatar seus clientes. Seu estabelecimento está localizado na Rua Almirante Alexandrino, principal trecho em obras no bairro. Ele garante que já perdeu mais de 50% de suas vendas.
— Para facilitar o acesso, pedi para um funcionário do consórcio fazer uma rampa em frente à loja, mas ele se negou. Depois me disse que precisaria de autorização ou cobraria pelo serviço. Eu mesmo fiz a rampa — diz.
Camargo conta ainda que a pouca procura dos clientes ocorre também nos fins de semana.
— Santa Teresa já não está mais no roteiro turístico do Rio, infelizmente. A falta dos bondes dificultou muito. A região que era turística agora se transformou numa bagunça sem fim — ressalta o comerciante, que ainda tenta manter seu ateliê com as portas abertas.
Com dificuldades para atravessar o canteiro com seu filho de 4 anos, a cientista social Priscila Costa, de 40 anos, desvia entre pedras e veículos até chegar ao seu destino.
— Não aguentamos mais. Onde está o cronograma que foi lançado em novembro de 2013 e que garantia o término das obras para a Copa do Mundo? Nada foi cumprido, e a esperança é que os bondes voltem até as Olimpíadas — acredita Priscila, nascida em Santa Teresa.
ADVERTÊNCIAS FORMAIS
O estado, que negocia a transferência da gestão dos bondes para a prefeitura, como informou Ancelmo Gois em sua coluna, disse, em nota, que já foram expedidas notificações e advertências formais para a empresa e, caso não seja alcançado um ritmo satisfatório das obras, o contrato poderá inclusive ser rompido. Procurado pelo GLOBO, o consórcio Elmo-Azvi, responsável pelas obras, não quis se pronunciar.
O governo estadual afirmou ainda que, a partir do dia 21, quando terminarem os reparos no trecho que já estava pronto, o consórcio deverá retomar os trabalhos com capacidade plena.
SERVIÇO NÃO CHEGOU À METADE
A conclusão das obras do bonde de Santa Teresa, prevista para junho do ano passado, foi adiada diversas vezes. A última previsão da Secretaria estadual da Casa Civil seria para o fim de 2015. Os trabalhos incluem o trecho até o Silvestre, desativado há cinco anos. Até agora, 4,2 quilômetros de trilhos foram instalados e 1,3 quilômetro ainda está em implantação. Para completar o sistema, faltam mais 10,9 quilômetros. Ou seja, a obra, orçada em R$ 110 milhões, não chegou à metade.
O atraso na entrega do novo sistema de bondes é atribuído pelo governo do estado às obras de concessionárias, como CEG e Cedae, ao longo do percurso, e à execução de reformas que precisavam de autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) — como as dos Arcos da Lapa. Os primeiros testes do bonde começaram em maio, na sede da empresa T’Trans, em Três Rios. O primeiro dos 14 bondes passou a circular pelo bairro, em caráter experimental, em agosto.
O sistema está parado desde 27 de agosto de 2011, quando seis pessoas morreram e 57 ficaram feridas num descarrilamento na Rua Joaquim Murtinho. Foi o pior acidente com o bonde de Santa Teresa — um dos símbolos do turismo no Rio. Os freios teriam falhado, o veículo saiu dos trilhos, derrubou um poste e tombou numa curva. Quatro passageiros morreram na hora. Algumas vítimas foram jogadas para fora e esmagadas pelo próprio bonde. O condutor Nelson Correia da Silva chegou a ser socorrido, mas acabou morrendo. O laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE) detectou 23 problemas no veículo.
Fonte: O Globo, 08/05/2015