Escavação revela coincidência no traçado do VLT com o dos bondes do Rio no século 19

“Mas inauguraram-se os bonds. Agora é que Santa Teresa vai ficar à moda”, escreveu Machado de Assis, na crônica Progresso, de 1877. Apesar de parecer distante, o Rio de Janeiro em que o escritor viveu está aos poucos ressurgindo, assim como o meio de transporte elogiado por ele.
O futuro do transporte público do Centro do Rio, imagine, copia o passado. Nas escavações para a implantação do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), na Praça da República, arqueólogos encontraram na última quarta-feira trilhos de madeira que eram usados pelos bondes do Rio Antigo.
Segundo a arqueóloga Madu Gaspar, responsável pelas escavações, o material encontrado é, provavelmente, do fim do século 19, quando os bondes já eram elétricos. A arqueóloga revela, no entanto, que suas equipes descobriram na Rua Sete de Setembro trilhos ainda mais antigos, datados da época em que os bondes eram puxados por burros, técnica inaugurada em 1859.
Já esperávamos encontrar esses trilhos. A partir da segunda metade do século 19, o bonde se tornou o principal veículo de massa, e quase todo o Centro do Rio foi tomado por trilhos. Quando acabaram com o serviço, não desmontaram a estrutura existente, apenas jogaram asfalto em cima, contou a arqueóloga.

Os bondes viraram sinônimo de passado na década de 60 do século 20, quando começaram a ser desativados. Era a época da grande expansão da malha rodoviária brasileira. No Rio, o serviço sobreviveu apenas no nostálgico bairro de Santa Teresa.
Agora, mais de meio século após o fim do ciclo dos transportes por trilho na região central da cidade, os governantes voltam a apostar no modal. Inclusive, o trajeto que será adotado pelo moderno VLT é bem parecido ao que era usado no tempo de Machado de Assis.

Análise
Especialistas em mobilidade urbana elogiam o retorno dos investimentos em transporte sobre trilhos. O professor da Uerj Alexandre Rojas conta que nas décadas de 40 e 50 o bonde era o meio que mais transportava a população e interligava quase toda a cidade.
Da forma como os bondes eram operados, não havia condições de fazer investimentos nos anos 70 porque seria preciso alargar as ruas da cidade, analisou Rojas. O VLT dará certo porque tem outro meio de operação, como a faixa exclusiva, completou o professor.
Já a professora da UFRJ Eva Vider considerou um equívoco a extinção dos bondes no passado. Para ela, foi um investimento no meio de transporte errado. Foi um erro, apostaram nos carros, mas com o tempo isso se mostrou um grande engano, analisa

…E o bonde virou coisa do passado
O fim dos investimentos nos bondes estão diretamente ligados à ascensão dos automóveis no Brasil. A partir da década de 50, grandes companhias automotivas se instalaram no país e incentivaram o uso do carro, que, na época, era símbolo de modernidade e status.
A velocidade dos bondes era de 15 km/h, muito mais lento que os carros. Com essa propaganda foram se acabando os cerca de 400 km de trilhos que existiam no Rio e que estão embaixo do asfalto. A Light, que era responsável pelos bondes elétricos, encerrou a operação entre 1965 e 1968.
Estamos voltando para uma forma de transporte que já tínhamos no século 19. A troca, na década de 50, foi para favorecer a indústria do carro, disse o professor de História da UFF Pedro Terra.

Rio Branco e Presidente Vargas: ‘filé mignon’ da História carioca
Para a arqueóloga Madu Gaspar, o melhor das descobertas sobre o Rio antigo ainda está por vir. Ela contou que nas escavações na Praça da República será difícil encontrar objetos além dos trilhos, já que a região era considerada marginal. Nos séculos passados chegou a ser um lixão.
Segundo disse, a expectativa da equipe é quando as obras chegarem ao cruzamento das avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, mais precisamente na parte de trás da Igreja da Candelária. Gaspar explicou que naquela região existiam muitos casarios.

No início do século 20, com as obras de modernização feitas pelo prefeito Pereira Passos, muitas construções foram demolidas. Madu Gaspar acredita que muitas informações do passado podem ser descobertas naquele cruzamento de ruas.
É uma região interessante porque foi ponto limite da cidade e depois houve diversos casarios. Vamos ter a chance de ver isso, afirmou.
O trabalho será feito ainda neste ano, mas sem data específica para começar. As escavações serão no período noturno para não atrapalhar o trânsito da região do Centro.
Todo o material encontrado pelos arqueólogos é catalogado e enviado ao Iphan, que determina como serão armazenados. O esperado é que todos sejam levados para o Laboratório de Arqueologia, que será inaugurado na Gamboa, no fim do ano.

 Fonte – O Dia, 18/07/2015

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