O desenvolvimento ferroviário no país, iniciado há mais de 150 anos, no tempo do Império, sempre esteve articulado a políticas do Estado brasileiro. A República Velha testemunhou a intensa expansão das ferrovias, com a construção de importantes traçados na primeira metade do século XX.
Passageiros e cargas, principalmente o café, sob o manto do visionário Barão de Mauá, escreveram sua história sobre os trilhos do país.
A partir do governo de Getúlio Vargas os projetos de transportes rodoviários ganharam, pouco a pouco, maior relevância. Com o tempo, o modal ferroviário passou a ficar precário e o ritmo de novas obras caiu sensivelmente. Temos hoje apenas dois terços da malha de antes. E ainda assim, não totalmente utilizada.
Nas últimas duas décadas, entretanto, os investimentos foram retomados e surgiram novas diretrizes para o setor, que já foi referência na economia brasileira antes mesmo do ciclo industrial, e precisa reassumir o protagonismo que os protestos exigem nas ruas, pela prioridade à mobilidade urbana, a redução do “custo Brasil” no frete da produção e a alternativa ao transporte regional de passageiros.
O anúncio governamental de resgate do crescimento econômico com R$ 198 bilhões em investimentos em concessões ferroviárias, rodoviárias, portos e aeroportos é alvissareiro, ainda que não preveja um único centavo ao transporte de passageiros. O Pacto Federativo pela Mobilidade Urbana, lançado em 2013, precisa ser impulsionado. A medida prevê aporte adicional de R$ 50 bilhões para investimentos no modal.
O cenário econômico preocupa, claro. Os efeitos do ajuste fiscal nas contas do governo impactam o cotidiano das pessoas, mesmo com a redução da meta de 1,1% para 0,15% do PIB, anunciada no final de julho. O remédio amargo da retração da economia, com a decorrente queda na arrecadação de impostos, não foi o mais indicado para curar o doente, sob o risco de complicar ainda mais seu quadro clínico.
No ano passado a atividade industrial recuou 1,2% e, no primeiro trimestre deste ano, surpreendentes 7,5%. Analistas do mercado projetam uma retração de 1,76% do PIB até o fim do ano.
A inflação projetada para 2015 supera os 9%, a maior desde 2003. A taxa de juros real voltou a ser uma das maiores do mundo, ainda mais com a última alta para 14,25%, inibindo investimentos em geral, principalmente nas infraestruturas.
Segundo o IBGE, 6,8 milhões de pessoas procuram emprego hoje. O desemprego de maio, de 6,7%, foi o maior desde o mesmo período de 2010. Pesquisa da Confederação Nacional das Indústrias mostra o índice de confiança dos empresários em 40,2 pontos, depois de alcançar 68,5 em janeiro de 2010.
Por duas vezes este ano milhões de pessoas foram às ruas protestar. A crise é política e econômica, portanto, de confiança. Se a dos empresários da indústria anda baixa, o mesmo se aplica para o financiamento de grandes projetos de infraestrutura. Mas há alternativas à escassez de recursos públicos, como a inegável maior participação do mercado de capitais.
Mas apesar do ceticismo generalizado, o setor metroferroviário acredita no Brasil. Acredita, confia e contribui para sua solidez, com mais de 80 mil empregos, 39 mil deles na área de passageiros.
Em 2013, quando a criação de postos de trabalho no país caiu 14,1% segundo o Ministério do Trabalho, as empresas de trens geraram 8% a mais. Contudo, as poucas perspectivas de se viabilizarem os 18 projetos existentes de mobilidade hoje ameaça a criação de 60 mil novos empregos até 2020 no setor.
O Brasil tem 63 regiões metropolitanas, mas só 12 transportam passageiros em trens. De acordo com a ANPTrilhos, o modal teve um movimento no ano passado de cerca de 3 bilhões de pessoas, mais de 10 milhões por dia. Os trens elétricos urbanos emitem 60% menos gases de efeito estufa do que os ônibus e 40% menos que os automóveis. Uma composição ocupa 20 vezes menos espaço que carros e ônibus.
Mais de 60 mil pessoas viajam por hora em um trem, enquanto um carro leva 1,8 mil e o ônibus, 6,7 mil. Ainda assim, os trens representam apenas 3,8% dos transportes públicos urbanos. Os ônibus são 25%, e os veículos particulares, 39%.
Cidades com eficientes sistemas de transportes sobre trilhos retiram 1,1 milhão de carros e 16 mil ônibus por dia das ruas. A equação, então, é pensar a mobilidade nas grandes metrópoles de forma complementar e integrada entre os vários modais.
Mais do que apontar caminhos para melhorias urbanísticas, o que se quer aqui é reafirmar, sim, a crença do setor metroferroviário no país e seu potencial de negócios, apesar de todas as dificuldades que enfrentamos.
Além dos projetos citados, o Brasil tem hoje 20 sistemas sobre trilhos em implantação ou funcionando. A indústria nacional metroferroviária investe, gera emprego e renda, recolhe impostos e tributos. É preciso, pois, incentivar ainda mais o seu crescimento, para o que estamos completamente preparados.
Uma das teorias econômicas mais aceitas postula que fazer o melhor em seu ofício acaba por multiplicar no meio social o bem almejado para si. Sempre com comprometimento e responsabilidade, ainda mais nas horas difíceis.
O país possui grandes oportunidades, em todos os setores, sobretudo no metroferroviário. Nosso desafio é o de transformá¬las em realidade. Por tudo isso, acreditamos no Brasil.
Renato de Souza Meirelles, engenheiro civil com especializações em administração e finanças, é presidente da CAF (Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles, S.A.) no Brasil.
Fonte: Valor Econômico, 14/08/2015