Está tudo pronto, no governo, para o anúncio de um pacote bilionário de investimentos em ferrovias e mobilidade urbana que serão formalizados neste mês. O plano ganhou o nome de “Setembro Ferroviário” e sai na esteira da MP 1.065, medida provisória que cria um novo marco legal para o setor e foi publicada anteontem à noite.
O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, apresentará os primeiros projetos de ferrovias pelo regime de autorização e viabilizados pela MP. Os grupos responsáveis devem protocolar requerimentos de construção de novas linhas férreas voltadas para o transporte de cargas: São Mateus (ES)-Ipatinga (MG), um ramal saindo da Estrada de Ferro Carajás chegando ao futuro terminal portuário de Alcântara (MA), pelo menos duas “short lines” da Ferroeste – entre o Paraná e Mato Grosso do Sul. Serão cerca de R$ 32 bilhões em recursos privados.
Projetos de R$ 33 bi, Fiol e ‘people mover’ no aeroporto de SP
Essa é a primeira parte do “Setembro Ferroviário”. Na segunda perna estão ações conhecidas do mercado, mas com desdobramentos relevantes neste mês. Uma deles é a assinatura do contrato da Ferrovia de Integração Oeste- Leste (Fiol), no trecho 1, entre Ilhéus e Caetité (BA). O leilão ocorreu em abril e a concessão foi arrematada por um grupo do Cazaquistão que explora minério de ferro na Bahia. Outra é o pontapé inicial na Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Goiás e Mato Grosso, com a instalação dos primeiros canteiros de obras pela Vale, que assumiu o compromisso como contrapartida à renovação das suas concessões. Ela também vai entregar, nas próximas semanas, os trilhos importados da China para a extensão da Fiol (trecho 2), entre Caetité e Barreiras, que tem sido executada pela estatal Valec.
A terceira parte do pacote envolve projetos de mobilidade urbana. Será firmado um aditivo contratual à concessão da GRU Airport, operadora do aeroporto de Guarulhos (SP), para resolver um problema que se arrasta há anos. A concessionária vai erguer um “people mover”, espécie de monotrilho, para ligar a estação de trem da CPTM aos terminais de passageiros. A estação chama Aeroporto, mas foi construída a mais de dois quilômetros dos terminais. Hoje os usuários têm que descer e pegar micro-ônibus até o destino final. O dinheiro usado no “people mover” será abatido da outorga anual que a GRU Airport paga ao governo.
Foi solucionada também a privatização da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), em Minas Gerais, com um aporte federal de R$ 2,8 bilhões na ampliação da linha 1 e na construção da linha 2 do metrô de Belo Horizonte. Só nos últimos cinco anos a estrutura toda da CBTU consumiu R$ 5,2 bilhões em subsídios da União e gerou prejuízo acumulado de R$ 1,5 bilhão. Mais vale injetar recursos de uma vez, transferir a operação para o setor privado e estancar a sangria – com um serviço melhor aos passageiros.
A MP 1.065 abre caminho para que novos projetos de ferrovias possam sair pelo regime de autorização, com muito mais liberdade para o empreendedor e sem reversão de bens para a União no fim do contrato. Até agora qualquer investimento precisava ocorrer por meio de concessões, que são leiloadas e submetidas a uma regulação mais pesada.
Em muitos aspectos, o novo marco das ferrovias replica o bem-sucedido modelo adotado no setor portuário, que passou a admitir terminais privados – sem exigência de movimentar cargas do próprio dono – em 2013. Isso sacudiu o mercado, fazendo grandes investidores buscarem financiamento para seus projetos. Foram liberados empreendimentos que somam mais de R$ 40 bilhões, embora seja prudente tomar cuidado: muitas autorizações são boas para engordar os números, mas ficam indefinidamente no papel e não se transformam em expansão da infraestrutura.
Há outro ponto interessante na MP. As atuais concessionárias de ferrovias terão a possibilidade de migrar seus contratos para o regime de autorização, com um peso regulatório menor. Elas precisarão, para isso, aumentar sua malha ou sua capacidade de transporte em 50%. Na prática, é uma cláusula pró-investimento.
O envio da medida provisória, porém, feriu suscetibilidades no Senado. Um projeto do senador licenciado José Serra (PSDB-SP), na mesma linha e com apoio do governo, parecia encaminhar-se finalmente para votação. Muitos parlamentares consideraram um atropelo ao PLS 261. Quatro pediram para o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM- MG), simplesmente devolver o texto ao Palácio do Planalto.
É difícil dar plena razão aos senadores porque o projeto de Serra leva quase quatro anos com pouquíssimos avanços, uma velocidade incompatível com a urgência de modernização da infraestrutura no país, mas essa acolhida com críticas demonstra que não há garantia de uma tramitação calma no Congresso.
O ministro Tarcísio, que tem uma sensibilidade política pouco usual na Esplanada, percebeu que a aprovação da MP não será um passeio no parque e rapidamente armou o “Setembro Ferroviário” para anunciar – provavelmente amanhã – em uma solenidade no Planalto. O pacote contém novidades, como as primeiras ferrovias por autorização e o termo aditivo do aeroporto de Guarulhos, mas deve ser lido também como um esforço de comunicação do governo para vencer essa batalha política.
Agenda legislativa
Do novo marco das ferrovias à lei de debêntures para infraestrutura, da reforma tributária à administrativa, do tratado de livre-comércio Brasil-Chile ao acordo de regras aduaneiras com os Estados Unidos. Vinte e sete propostas tramitando no Congresso ganharam o selo de prioridade no monitoramento da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, que lança hoje sua agenda legislativa.
São projetos de lei, medidas provisórias, PECs e mensagens presidenciais (caso dos acordos comerciais) capazes de corrigir distorções no chamado Custo Brasil e divididos em 12 eixos temáticos. Dezenas de frentes parlamentares disputam em Brasília a atenção de lobistas, jornalistas, formuladores de políticas públicas. Poucas têm atuação efetiva. Uma das únicas que conseguiram ganhar peso e tornar-se referência em sua área de atuação é a do agronegócio.
O deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP), presidente da Frente pelo Brasil Competitivo, quer transformá-la em voz do setor produtivo. Ele promete notas técnicas sobre os projetos, canal de diálogo com os relatores, organização de eventos.
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2021