Cinco meses após a rebelião do PMDB contra o PT, que culminou na rejeição do nome de Bernardo Figueiredo para o comando da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), o governo deu o troco. Homem de confiança da presidente Dilma Rousseff, Figueiredo foi nomeado presidente da nova estatal EPL (Empresa de Planejamento e Logística), estrutura nos moldes do antigo Geipot (Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes, lançado em 1965 pelo governo militar e extinto em 1999), mas que terá muito mais poder. Em entrevista ao Estado, Figueiredo – que pensou em se aposentar após a decisão do Congresso – explicou como a empresa vai atuar e sobre os desafios para tirar o pacote de concessão do papel. A seguir, trechos da entrevista.
Como surgiu a EPL?
Na verdade, foi um projeto que surgiu há quatro anos e vem sendo amadurecido. O ex-presidente Lula já havia pedido para criar uma estrutura de planejamento porque esse era um dos gargalos da execução do Programa de Aceleração do Crescimento. Então, o Ministério dos Transportes fez uma proposta e ficou aguardando uma oportunidade. No ano passado, foi instalada uma força-tarefa com vários ministérios para discutir um processo de integração das diversas iniciativas de planejamento que já existiam. A gente estava tentando harmonizar esses planos setoriais para montar um programa. Ficou clara a necessidade de ter um lugar para fazer esse tipo de trabalho. Quando os planos são feitos separadamente fica difícil consolidar. Como tinha a Etav (estatal para tocar o trem-bala) recém-criada, surgiu a oportunidade de ampliar o escopo da empresa e dar mais racionalidade.
Será um novo Geipot?
É o trabalho que o Geipot fazia com nuances diferentes. A EPL pode participar de um empreendimento, como empreendedora. Ela pode ter uma subsidiária e participar de uma SPE (Sociedade de Propósito Específico) se tiver afinidade com o objeto dela. Isso é diferente do Geipot. No trem-bala, ela vai ser sócia da empresa operadora. Podemos entender que, numa modelagem, é interessante e estratégico para o governo ter participação numa SPE para determinada ferrovia, rodovia, porto ou qualquer outro empreendimento. O governo pode fazer isso por questões estratégicas para equilibrar e melhorar a competitividade. A EPL poderá criar uma subsidiária e depois essa subsidiária abrir o capital para a iniciativa privada. Ela vira um instrumento do governo para viabilizar empreendimentos.
Qual seu maior desafio?
É conseguir estruturar isso e ao mesmo tempo dar conta de um programa agressivo e desafiador. Vamos ter de apoiar o governo na estruturação do programa ao mesmo tempo que estamos criando a empresa. É um desafio enorme. A EPL não é executiva, é só um instrumento para fazer os projetos. O ministério vai encomendar estudos e projetos para a empresa.
Como superar a burocracia e pôr o programa de pé?
Enfrentando os entraves. Você não pode falar que para fazer as coisas você tem de mudar as leis. Considerando a realidade e as condições dadas, você tem de fazer o trabalho e fazer bem feito. Tem de ter uma meta e ultrapassar os obstáculos. Não há mágica, é trabalho.
Por exemplo, o TCU vai continuar com a mesma estrutura e um número de projetos muito grande. Pode ser um gargalo?
Já estamos agendando com o TCU uma reunião para discutir os projetos, mostrar a modelagem e ouvi-los. O que facilita muito é trabalhar junto nos projetos. O TCU tem papel diferente do nosso, mas não precisa tomar conhecimento do que e como estamos fazendo as propostas na hora que eu encaminho para ele. A ideia é a gente explicar qual a modelagem, como vamos fazer o projeto. Manter o TCU informado. Observar e acertar qual os problemas que temos enfrentado nos últimos trabalhos com o TCU. É antecipar os problemas e não deixar eles ocorrerem lá na frente. É a mesma coisa da área ambiental. A negociação prévia pode evitar problemas futuros.
Em relação ao pacote anunciado esta semana, como evitar os problemas do leilão de concessão feito em 2007?
As concessionárias terão de duplicar todos os trechos em cinco anos. E só vão poder cobrar pedágio após 10% das obras de duplicação. Antes, os investimentos eram diluídos ao longo dos 25 anos de concessão. Agora, estamos concentrando todos os investimentos de ampliação de capacidade nos primeiros cinco anos. Embora vocês insistam em desqualificar a segunda etapa, os problemas foram provocados pela defasagem do programa de investimentos. Os projetos começaram em 2000 e a ANTT não atualizou o programa. Quando foram implementar, havia outra realidade. No Rio, o contorno de Campos estava errado. A cidade mudou a dinâmica e o contorno tinha de ser feito em outro lugar. Em Niterói, o contorno passava em cima dos estaleiros. Quando o projeto foi feito os estaleiros estavam parados e não eram problema. Hoje, o estaleiro está a plena carga e o contorno não pode passar por cima. Você não pode desapropriar o estaleiro para fazer a rodovia. Essas inadequações do programa de investimentos acabaram gerando atrasos.
O Estado de S.Paulo, 19/08/2012