Para tirar do papel um programa de concessões que abrange 10 mil quilômetros de ferrovias e 7,5 mil de estradas, com investimentos estimados em R$ 133 bilhões, a presidente Dilma Rousseff escalou um auxiliar de sua absoluta confiança: o economista Bernardo Figueiredo, 62 anos, presidente da nova Empresa de Planejamento e Logística (EPL).
Poucas pessoas no país, seja no governo ou na iniciativa privada, têm a experiência de Figueiredo na área de transportes. Ele entrou no Geipot – a extinta estatal que planejava o setor – como estagiário. Em 1973, passou em primeiro lugar no concurso para a empresa, onde chegou a chefe de projetos. No setor privado, esteve na América Latina Logística (ALL), a maior concessionária de ferrovias do país, e presidiu a associação dos transportadores ferroviários. De volta a Brasília, após passagens pela Valec e pela Casa Civil, comandou a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), entre 2007 e 2012, ele falou ao Valor antes de embarcar para a Espanha onde participou do seminário “Brasil: Rumo ao Desenvolvimento”, promovido pelo Valor em parceria com o jornal “El País”, ontem, em Madri.
Valor: Com o Programa de Investimentos em Logística, o governo reconhece que precisa de mais capital privado na ampliação da infraestrutura brasileira? É uma admissão de que, sozinho, o Estado não consegue fazer essas obras no tempo adequado?
Bernardo Figueiredo: É uma admissão de que precisamos ampliar a capacidade de investimento. O Estado, tanto no que se refere ao orçamento fiscal quanto em suas possibilidades para gerenciar empreendimentos, tem um limite. Quando trazemos a iniciativa privada com mais peso, é uma forma que encontramos de ir além desse limite e ampliar a capacidade de execução dos investimentos na área de infraestrutura.
Valor: O cronograma de licitações e assinatura dos contratos de concessão é bastante apertado. O senhor acha que é possível cumpri-lo à risca?
Figueiredo: É possível e estamos trabalhando muito para isso. Por enquanto, não temos nenhuma previsão de atrasar o programa, mas ele é complexo e pode receber algum ajuste em função de dificuldades pontuais. O importante é que os estudos estão todos andando em ritmo normal. Salvo algum ajuste que se fizer necessário, por motivo alheio à vontade do governo, cumpriremos o cronograma.
Valor: As duas primeiras rodovias do novo programa de concessões, a BR-040 e a BR-116, têm taxa de retorno estimada em 5,5% ao ano pelo governo. Esse número será capaz de despertar o interesse da iniciativa privada?
Figueiredo: O custo de capital está muito baixo e continua decrescendo. Houve uma emissão recente de debêntures, por uma concessionária privada, que captou a menos de 3%. Estamos oferecendo financiamento com juro real de 1% a 2%. Com isso, a taxa de retorno para o capital próprio sobe para 8% a 10%. A preocupação demonstrada por potenciais investidores, nas reuniões que fizemos até agora, é de que o financiamento esteja realmente disponível. E não tenha nenhuma dúvida disso. O BNDES vai financiar até 80% dos investimentos.
Valor: O Brasil tem mão de obra suficiente, incluindo engenheiros e projetistas, para atender a toda essa nova demanda criada pelos projetos de infraestrutura?
Figueiredo: Existe uma percepção do mercado de que, no Brasil, a mão de obra mais especializada está próxima do pleno emprego. Hoje existe disponibilidade de profissionais altamente qualificados no exterior e é possível que as empresas, para suprir uma lacuna temporária, recorram a eles. Mas não há demanda do mercado sobre medidas para facilitar [a migração de profissionais]. Existem muitas empresas estrangeiras se instalando no país e nenhuma tem colocado isso como problema.
Valor: Em leilões anteriores de rodovias, como nos de 2007, houve queixas de que os pedágios baratos levaram as empresas vitoriosas a atrasar obras e a relaxar nos serviços prestados. Como o governo pretende evitar que isso se repita?
Figueiredo: Há problemas de naturezas diferentes. O primeiro é que algumas dessas rodovias já haviam sido duplicadas e não tinham grandes investimentos a receber. A crise internacional também pode ter afetado a alavancagem das concessionárias. Mas a maior parte das obras que atrasaram tinha erro no programa de exploração das rodovias, como o Contorno de Campos (RJ), porque a ANTT aplicou projetos defasados em cinco ou seis anos. A agência não teve o cuidado de atualizar as necessidades de investimentos. Para construir o contorno rodoviário de Niterói (RJ), seria necessário desapropriar estaleiros, que não existiam em 2000, quando o programa de exploração foi elaborado. Refazer os projetos atrasou o cronograma.
Valor: Houve lições tiradas dessas concessões de rodovias?
Figueiredo: O aprendizado dessas licitações nos fez tomar algumas medidas agora. Todo o programa de investimentos nas rodovias que serão concedidas foi rechecado. A EPL está encaminhando o processo de licenciamento ambiental antes dos leilões. A única razão que não conseguimos identificar para os problemas que houve foi justamente o pedágio barato ou uma suposta falta de qualificação dos interessados. Não podemos dizer, absolutamente, que as empresas vitoriosas nos leilões de 2007 são aventureiras. Companhias como a OHL e a Acciona se habilitariam em qualquer lugar do mundo.
Valor: O governo não conseguiu, em ocasiões anteriores, licitar o projeto do trem de alta velocidade (TAV) entre Rio, São Paulo e Campinas. Por que agora existe confiança no sucesso do leilão?
Figueiredo: No leilão anterior, a modelagem envolvia uma transferência de risco à iniciativa privada que ela não aceitou. Agora, mitigamos esses riscos. Como nós não temos dúvida nenhuma sobre o projeto, não tivemos problema em assumi-los. Vamos fazer o projeto executivo da obra, o que diminui muito o risco de engenharia. No caso do risco de demanda, o comportamento do transporte aéreo nesse eixo nos indica claramente que ele não existe, por isso a tranquilidade em assumi-lo também. A outorga paga, se tudo ocorrer conforme o previsto, é de cerca de R$ 27 bilhões. Mas a concessionária só vai pagar por trem/passageiro que circular. Se não houver demanda, ela não precisará colocar mais trens e nós receberemos menos. Por outro lado, se houver mais demanda, ela colocará mais trens e receberemos mais.
Valor: Qual é o cronograma previsto?
Figueiredo: Ele prevê o lançamento do edital no dia 26 de novembro e o primeiro leilão, que selecionará a tecnologia e o operador do TAV, em julho de 2013. Queremos ter o projeto de engenharia no início de 2014, com o segundo leilão no mesmo ano, para a contratação das obras de infraestrutura. O trem estará em funcionamento em 2020. É um empreendimento necessário para o país e que atende ao interesse público.
Fonte: Valor Econômico, 20/11/2012