Entre os transportes públicos de massa, o sistema ferroviário – trens urbanos e regionais, monotrilho e metrô – se destaca pela eficiência, capacidade de transportar um grande número de passageiros e pela maior durabilidade – a vida útil de um vagão de metrô é de 35 anos, enquanto que a de um ônibus urbano é de 12-15 anos. No entanto, sua expansão nas grandes cidades brasileiras se dá a passos de tartaruga. Custo elevado de implantação, tempo de obra prolongado e complexidade do planejamento do sistema são fatores que pesam contra o trem em comparação ao ônibus na hora do poder público tomar a decisão de investimento. Mas, para especialistas do setor, o que de fato impede o avanço dos trilhos no país é o excesso de burocracia e a falta de vontade política em todas as esferas do governo: municipal, estadual e federal.
Em uma tentativa de começar a mudar esse quadro, em 2010, o governo federal lançou o PAC Mobilidade Urbana, que inclui vários projetos de trens urbanos, metrô e monotrilho. “A presidente Dilma Rousseff anunciou que o principal investimento do governo federal serão os trilhos”, observou Pedro Torres, gerente de políticas públicas do ITDP Brasil.
O PAC Mobilidade Urbana previa, por exemplo, investimentos em metrô em Belo Horizonte, Curitiba, Brasília, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e Salvador, cidades-sedes da Copa. Em São Paulo, o monotrilho São Bernardo do Campo-São Paulo foi incluído no PAC. Porém, até agora pouca coisa saiu de fato do papel, cerca de 10% a 20% do previsto segundo estimativas do setor, frustrando empresas e passageiros.
“Quando surgiu esse movimento do PAC, havia de 10 a 15 projetos com potencial no setor ferroviário, mas apenas dois ou três saíram do papel”, disse Adelson Martins, diretor da divisão ferroviária da Voith. “Tudo aquilo em que havia a expectativa de ser construído para a Copa ficou para os Jogos [do Rio 2016] e agora para depois dos Jogos”, de acordo com Martins. Sem citar números, ele disse que a lentidão com que os projetos são tocados já levou a Voith a rever seus planos de investimento no país. “É um desafio para uma empresa multinacional como a Voith fazer um planejamento no Brasil desse jeito.”
A falta de investimentos em sistemas de transportes sobre trilhos por várias décadas teve como efeito o desmantelamento da cadeia de fornecedores de produtos e serviços no país. O resultado é que quase tudo agora precisa ser importado para atender os projetos de construção e ampliação, o que encarece ainda mais a conta. “Até 1996, a CSN produzia trilhos, mas com a ausência de investimentos para o setor a empresa parou a produção. Hoje o Brasil importa 100% dos trilhos. É preciso incentivar a produção nacional para baixar esse custo”, diz Torres.
O professor Márcio de Almeida D’Agosto, coordenador do Programa de Engenharia de Transportes (Coppe/UFRJ), observa que o problema para as empresas do setor é a falta de demanda para os seus produtos, uma vez que a atual taxa de crescimento no Brasil é de apenas “1 km de metrô a cada 40 anos”.
Já a outra demanda, de passageiros, é o que não falta no país. Segundo D’Agosto, tudo o que se faz hoje em transporte público no Brasil é para compensar um atraso de 30/40 anos, por isso as novas linhas já entram em operação completamente saturadas. No caso do metrô, ele estima que o país “teria de mais ou menos dobrar a capacidade existente a cada ano, por dez anos, para aí então chegar a algum lugar”.
Por isso, D’Agosto critica o pensamento que vincula o planejamento de um sistema em função das expectativas atuais de demanda. “A demanda de passageiros existe e quando um sistema é colocado em funcionamento, ele fomenta a demanda”, diz.
Enquanto os projetos do PAC seguem em marcha lenta, a expectativa para o setor ferroviário está agora sobre os planos de trens regionais, como São Paulo-Jundiaí, São Paulo-Sorocaba, São Paulo-Santos e Goiânia-Brasília.
“A bola da vez hoje são as linhas para fazer a conexão entre cidades. Os trens regionais são uma solução para desafogar os grandes centros urbanos”, diz Adelson Martins. Ele afirma que os governos estaduais estão muito interessados em viabilizar esses projetos através de parcerias público-privadas (PPP). Segundo ele, as rotas citadas estão em fase de estudo de viabilidade, sendo que em alguns casos, como SP-Jundiaí, já foram realizadas as primeiras audiências públicas.
Fonte: Valor Econômico, 26/05/2014