Diário do Rio – Não faz muito tempo que o Rio de Janeiro teve uma linha trem especial que ligava a Cidade Maravilhosa à Terra da Garoa. Luxuoso e histórico, mas também relativamente rápido, o Trem de Prata deixou saudades.
Após mais de quatro décadas operando as viagens de trem entre Rio de Janeiro e São Paulo, no ano de 1991, o trem Santa Cruz fez sua última viagem. Depois, por um curto período, foi reeditado (1994 a 1998). Um dos grandes motivos para a pausa dos serviços foram os atrasos e problemas na conservação da via férrea. O Trem de Prata contava com cerca de 10 vagões (1 carro-bar, 2 carros-restaurantes, 2 vagões de bagagem e 4 carros-dormitórios com suíte, dotados de quarenta cabines duplas ocupadas por oitenta passageiros e atendidas por 24 tripulantes).
Com o fim dos serviços do trem Santa Cruz, passageiros que costumavam fazer a viagem e a Rede Ferroviária Federal sentiram. O percurso Rio-São Paulo era um dos mais procurados à época.
“Quem também sentiu o baque foram as agências de viagem. Muitas delas tinham os pacotes do Trem de Prata como sua principal fonte de receita”, conta a pesquisadora e turismóloga Ana Maria Farias.
Com mais de meio século de tradição no mercado imobiliário do Rio de Janeiro, a Sergio Castro Imóveis – a empresa que resolve contribui para a valorização da cultura cariocaUm ano depois da parada das viagens do trem Santa Cruz, em 1992, a Rede Ferroviária Federal decidiu retomar a operação dos trens que faziam o percurso Rio-São Paulo em parceria com a iniciativa privada.
Já em 1993, ficou decido, através do edital de licitação 033/SR-3/93, que a iniciativa privada ficaria responsável pela organização do serviço e venda de passagens, cabendo à Rede Ferroviária Federal a locação de 25 carros Budd e de locomotivas.
Em outubro de 1993, o Consórcio Trem de Prata – composto pelas empresas União Interestadual de Transportes de Luxo, Interférrea Logística e Portobello Hotéis – foi declarado vencedor para administrar o serviço.
As viagens foram retomadas, oficialmente, no dia 8 de dezembro de 1994. O Trem de Prata partia do Rio de Janeiro às 23h e que chegava em São Paulo por volta de 8h30.
Antes de passar a funcionar para passageiros comuns, o Trem de Prata fez viagens de teste. Edson Vander Teixeira, que foi maquinista e trabalhou na SR-8 – linha de Campos dos Goytacazes da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) – e é pesquisador, esteve em uma delas.
“Participei da viagem de reconhecimento do Trem de Prata no trecho entre a Barão de Mauá [Estação Leopoldina] e Barra do Piraí. Essas viagens foram feitas para ver se havia algum problema na linha”, conta Edson.
No início, as passagens para viajar no Trem de Prata custavam R$ 85 (cabine simples) e R$ 120 – cabine dupla. Com o tempo, as tarifas foram reajustadas: cabine simples, com cama de solteiro (R$ 120), cabine dupla, com beliches (R$ 240) e suíte, com cama de casal, banheiro amplo, frigobar e armário – R$ 360 reais.
O Trem de Prata, que muita gente chamava de “trem hotel”, era um serviço de luxuoso. Para se ter ideia, o salário mínimo no Brasil em 1994 (ano que trem começou a funcionar) era R$ 64,79, chegando a R$ 70 no final do ano.
“Era muito charmoso viajar no Trem de Prata. Em São Paulo haviam algumas festas que nós, cariocas, íamos. E nós gostávamos de ir de trem. Eu tinha uns vinte e pouco, trinta e poucos anos de idade e lembro que eu e meus amigos brincávamos que estávamos na Europa. Fiquei muito triste com o término desse trem. Qualquer país de primeiro mundo valoriza esse tipo de transporte, pois é seguro, rápido”, conta o cirurgião plástico Rawlson de Thuin.
Quatro anos depois do início, o consórcio Trem de Prata encerrou os serviços em novembro de 1998. A última viagem partiu da estação Barra Funda (da EFSJ), chegando à estação Barão de Mauá (Leopoldina) na manhã de 30 de novembro. Ao ser reativado em 1994, sua capacidade era de 124 passageiros. Depois de dois anos, caiu para 76 passageiros.
Os principais motivos para o fim dos serviços foram os atrasos provocados pela má conservação da via (que obrigava o trem circular em baixa velocidade) e a concorrência com a Ponte aérea Rio-São Paulo – que se popularizou nessa época com a queda dos preços das passagens. Além disso, o fim da Rede Ferroviária Federal, quando a malha ferroviária entre Rio e São Paulo foi concedida à empresa MRS Logística S/A, também foi um fator importante.
“Algumas partes do Trem de Prata foram colocadas no pátio da estação Francisco Bernardino, em Juiz de Fora, Minas. Outras foram reformadas e viraram um restaurante chamado Trem de Prata [que fica em Santos Dumont, também em Minas Gerais]”, contou Edson Vander Teixeira.
O Trem de Prata era tão popular que até virou música. Nas vozes de Antônio Barros e Cecéu, o Trem ganhou trilha sonora própria.
A título de curiosidade, de acordo com números do Ministério da Infraestrutura, no Brasil hoje, são 1.500 quilômetros de trilhos para viagens de longa distância para passageiros, feitos pelas ferrovias Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) e Estrada de Ferro Carajás (EFC), operadas pela concessionária Vale. Juntas, elas transportaram 1,2 milhão de passageiros em 2017. Convenhamos, poderia ser bem mais. Bem mais.
Fonte: Diário do Rio, 29/04/2024
Por Felipe Lucena