ALL entra na mira do governo

Na próxima segunda-feira, integrantes do governo irão discutir a situação da ALL, maior companhia ferroviária em extensão de malha no país. Considerada “quebrada”, a América Latina Logística pode ter até sua concessão federal cassada a partir do resultado da reunião, convocada a pedido da presidente Dilma Rousseff.

Controlando 13 mil km de vias férreas no Sul, Centro-Oeste e São Paulo, a ALL virou um problema para o governo, que não consegue fechar negociação com a empresa para iniciar o programa de concessão de ferrovias.

O governo também tem que lidar com reclamações de usuários sobre quebra de contratos e má prestação de serviço. A empresa diz haver problemas com alguns clientes.

A ALL é o resultado da união de quatro malhas ferroviárias federais concedidas nos anos 1990. Neste ano, teve a concessão de quase 10 mil km de malha cassada pelo governo argentino, sob o argumento de falta de investimento e falha no serviço.

Desde 2009, a ALL recebeu 265 multas do governo brasileiro, no valor total de R$ 111 milhões, por diversos problemas, como abandono da malha, falta de prestação de serviço e preços abusivos.

As multas, das quais apenas 1% foi pago, adiantaram pouco e a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) passou a firmar termos de ajustamento de conduta e medidas cautelares para obrigar a empresa a cumprir ao menos parte das obrigações.

AÇÚCAR PARADO

No mais problemático acordo da ALL, assinado em 2009, a Cosan pagou R$ 1,1 bilhão para que a empresa ferroviária pudesse ampliar em cerca de 400 km sua malha dentro de São Paulo e aumentar, assim, em dez vezes a quantidade de açúcar transportada por ferrovia.

Para a Cosan, a vantagem era conseguir transportar o produto a um custo inferior ao pago no caminhão. A ALL ganharia um novo cliente.

Parte da obra foi feita e, com isso, a ALL aumentou em 5 milhões de toneladas ano a quantidade de soja e milho transportada, aumentando seus rendimentos, pois os dois produtos vêm do Centro-Oeste. A de açúcar, no entanto, subiu menos de 1 milhão de toneladas.

Desde o início do ano, as duas companhias se acusam de não cumprimento do contrato e levaram o caso à Justiça. A Cosan demanda que a ALL pague multas. A ferrovia quer romper o contrato.

Clientes de outros Estados já apresentaram queixas semelhantes à ANTT, que está analisando os casos.

A ALL argumenta, em geral, que a falta de licenças e outros problemas impedem as obras. Mas vários trechos entre Santos e Campinas, o principal gargalo, têm licença para a obra e ainda assim não são feitos.

Falta caixa à ALL para bancar investimentos. Próxima a seu teto de endividamento, ela nem sequer comprou novos equipamentos para um trecho ferroviário inaugurado no Mato Grosso neste ano.

Além dos problemas com os clientes, a empresa ainda precisa recuperar de cerca de 4.000 km que foram abandonados ao longo dos anos.

NEGOCIAÇÃO

Foi nessa situação que o governo iniciou no ano passado uma negociação para que a empresa devolva dois trechos concedidos: a ligação entre São Paulo (SP) e Rio Grande (RS) e trecho entre São Paulo e Santos (SP).

Eles seriam licitados sob novas condições previstas no programa de ferrovias, em que o concessionário faz a obra e permite a outras empresas passarem com os trens. No atual modelo, a ALL tem que autorizar outra empresa a passar por sua área.

Para devolver os trechos, a ALL pediu a extensão do contrato de outras regiões e exigiu que ela fosse a operadora do trecho até Santos, além de demandar dinheiro do governo para fazer as obras.

A Folha apurou que a proposta foi vista com bons olhos por integrantes do Planalto. Outros consideraram-na “inaceitável”, pelo histórico da empresa. As negociações hoje estão travadas.

OUTRO LADO

O diretor financeiro da ALL, Rodrigo Campos, afirmou que a empresa tem problemas específicos com alguns clientes e não há relação entre esses embates e a negociação para a devolução de trechos ao governo.

“Devolver um trecho é uma discricionariedade que passa por processo de negociação. A gente pode chegar a uma situação que faça sentido para as partes ou não. Se não chegar, eu tenho a concessão e vou continuar”, disse Campos que classifica como boas as negociações.

Em relação aos clientes, o diretor alegou que tem problemas específicos com as empresa de açúcar em São Paulo.

Segundo ele, os contratos não estão sendo cumpridos porque a ALL foi impedida de fazer obras entre Santos e Campinas, por falta de licenças obrigatórias.

E, também, porque a Cosan não fez as obras necessárias no porto que estavam acordadas, o que impede a ALL de levar a quantidade de carga prevista no acordo assinado em 2009.

Segundo ele, por causa disso, a empresa está pedindo o fim do contrato na Justiça.

“Nenhum instrumento jurídico que perdeu o objeto tem amparo legal. Eu posso fechar de boa fé um acordo em que me comprometo a atravessar uma parede e, por mais que eu tenha me comprometido, jamais um juiz vai me obrigar a atravessar uma parede, porque é impossível”, disse Campos.

A Cosan, por sua vez, informou em nota que “tem comprovadamente demonstrado que possui capacidade de descarga no porto de Santos, atestada por laudo técnico e ata notarial com fé pública” e tem realizado investimentos em suas operações no porto de Santos.

DISPUTAS

A ironia da situação da ALL é que o governo tem poder sobre a maioria das ações da empresa, mas não detém o controle da companhia.

Por meio de um acordo de acionistas, BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e fundos de pensão de estatais passaram em 2011 o controle aos empresários Wilson Delara e Ricardo Arduini, até 2015.

Até então, quem controlava a empresa, com o mesmo tipo de acordo de acionistas, era o Grupo 3G Capital -dos empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles, e Carlos Alberto Sicupira, que é também é dono, entre outras empresas, de Ambev e Heinz.

O 3G vendeu sua parte na companhia ferroviária a fundos, quando as ações valiam cerca de R$ 23. Os papeis terminaram o ano com valores abaixo de R$ 8.

Logo após a saída do grupo, a Cosan -companhia com negócios no setor sucroalcooleiro, de propriedade do empresário Rubens Ometto- tentou adquirir as ações do bloco de controle da ALL, numa transação estimada em quase R$ 1 bilhão.

O negócio acabou não dando certo. De um lado, os acionistas não controladores queriam que a Cosan também comprasse ações deles. De outro, a Cosan passou a desconfiar dos números da companhia, que se recusou a abri-los durante a negociação.

A disputa azedou o relacionamento entre os três grupos -controladores, não controladores e Cosan. Até 2015, quando vence o acordo de acionistas, tudo indica que a companhia será palco de uma das maiores disputas empresariais do país.

Colaborou TATIANA FREITAS, de São Paulo

Fonte: Folha de São Paulo, 31/12/2013

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