Falta de interesse paralisa obras de trecho da Fiol

As falhas de projeto e irregularidades que comprometem boa parte das obras da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) criaram um novo transtorno para a Valec, estatal federal responsável pelo empreendimento. Depois de encarar mais de três anos de paralisações constantes, por conta de dificuldades de licenciamento ambiental e intervenções do Tribunal de Contas da União (TCU), agora a Valec está ouvindo, das próprias empreiteiras, que elas não têm interesse em construir a ferrovia.

É essa a situação do primeiro lote da Fiol, ferrovia que prevê a ligação entre o sertão e o litoral da Bahia, em um traçado de 1.022 km de extensão. As obras do lote 1 – trecho de 125 km que abrange os municípios de Ipiaú, Itabuna e Ilhéus – começaram a ser executadas pelas empreiteiras Delta e SPA Engenharia, que assinaram um contrato de R$ 575 milhões com a Valec.

Em 2012, quando a Delta foi declarada inidônea pela Controladoria-Geral da União (CGU), coube à SPA assumir sozinha a construção. A empresa, no entanto, não teve fôlego financeiro para tocar a obra e acabou mergulhada em dívidas com fornecedores, bancos e funcionários. Em novembro do ano passado, a Valec rescindiu o contrato, para então procurar a empreiteira que ficou em segundo lugar na licitação da obra. Foi quando a diretoria da estatal ouviu um “não, obrigado” da Andrade Gutierrez, empreiteira que já atua em outro trecho da Fiol. O jeito foi bater na porta da Camargo Corrêa, terceira colocada na licitação. Novamente, nada de acordo.

Procuradas pelo Valor, as empresas não quiseram comentar a decisão. A Valec informou que, nesse momento, negocia o contrato com o quarto e último colocado na disputa pelo lote, o consórcio Pavotec/Tejofran. “Caso a empresa aceite as condições do contrato, há possibilidade de início em fevereiro”, informou a estatal. “Caso a quarta colocada não tenha interesse, a Valec preparará nova licitação.”

As empreiteiras não perderam o juízo. Ninguém descartaria um contrato de R$ 575 milhões, sem ter motivos para isso. O que está por trás do desinteresse dos empresários no lote 1, afirmam técnicos que trabalham no empreendimento, são custos adicionais que surgiram, por conta de mudanças feitas no projeto original, além das dificuldades de execução da obra, que corta um longo trecho de Mata Atlântica. Tudo isso levou a um aumento de gastos com a obra, reduzindo o retorno financeiro do projeto.

Em julho do ano passado, o Valor visitou todos os lotes da Fiol. Dos quatro lotes da ferrovia que tinham obras em andamento, o lote 1 é aquele que acumulava a execução mais sofrível, com apenas 7,7% dos trabalhos entregues. À época, a SPA tentava retomar a obra, mas logo depois voltaria a paralisar as operações. Hoje o trecho permanece exatamente com o mesmo percentual de execução de um ano atrás.

Por meio de nota, a Valec informou que uma comissão de funcionários da estatal fará o recebimento da obra, a verificação do serviço entregue e o encontro de contas com a empresa. O prazo atual de conclusão do trecho, segundo a Valec, é de 20 meses após o início da obra, um cronograma que é considerado apertado por técnicos que atuam na construção da ferrovia.

O imbróglio da Fiol também serviu para inflar os ânimos de pequenos empresários instalados na região de Ipiaú. Indignados, acusam a SPA de ter deixado para trás uma série de dívidas sem pagamento e querem que a Valec dê um jeito na situação. “A Valec é corresponsável. Ela precisa assumir a sua parte nisso, porque está usufruindo do material que nós entregamos, mas não recebemos por isso”, diz Valmir de Almeida Matos, dono da empresa Santana Comércio de Madeira, que reclama ser vítima de um calote de R$ 257 mil.

“A situação de muitos empresários é de desespero. Tem gente disposta a bloquear a BR-330, em protesto. Outros já falam em invadir os alojamentos da obra, se nada for feito. Esse calote pode quebrar muita empresa da região”, diz Alfredo Almeida, gerente da Fabrico Materiais de Construção. A empresa, segundo Almeida, aguarda o pagamento de R$ 365 mil.

O Valor encaminhou uma série de perguntas sobre o assunto à SPA. A empresa não respondeu ao pedido de entrevista. Na semana passada, a situação dos empresários baianos foi tema de reunião com funcionários da Valec que atuam diretamente nas obras da Fiol. As reclamações chegaram à diretoria da estatal, em Brasília, mas o cenário não mudou. Ao ser questionada sobre a situação, a Valec informou que “não tem responsabilidade sobre o assunto, que é de responsabilidade da contratada”.

Orçada inicialmente em R$ 4,3 bilhões, a Fiol teve as obras iniciadas em 2009. A previsão era que estivesse concluída em julho de 2013. Na primeira metade – 500 km – da ferrovia, entre os municípios de Barreiras e Caetité, as obras mal começaram. Na segunda metade, que segue até Ilhéus, há avanços em alguns lotes, mas as complicações encontradas em trechos como o lote 1 transformaram a ferrovia em uma obra sem data para ser concluída.

No balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) divulgado em outubro do ano passado, os 500 km da estrada de ferro que alcançam o litoral estariam prontos até dezembro deste ano. A própria Valec, no entanto, ao informar que precisa de pelo menos 20 meses de trabalho ininterrupto para concluir o trecho inicial da ferrovia, deixa claro que o prazo é totalmente inviável.

Na Bahia, mineradoras e reservas de quase 4 bilhões de toneladas de minério de ferro aguardam os trilhos da Fiol, assim como o segundo maior polo de produção de algodão do país, que hoje é obrigado a despachar suas cargas pelas estradas, em milhares de caminhões que cortam o país inteiro, até chegar aos portos de Santos (SP) e Paranaguá, no Paraná. Em Ilhéus, o clima também é de expectativa em relação ao projeto do Porto Sul. O destino final da ferrovia só existe no papel.

Fonte: Valor Econômico, 13/01/2014

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