Histórias do Engenho de Dentro: antigas oficinas de trem vão ganhar vida nova

RIO — No final do século XIX, a Estrada de Ferro Dom Pedro II vivia um momento de plena expansão. Para dar conta do aumento do fluxo de passageiros e de cargas na ferrovia, foram criadas novas estações e, consequentemente, a companhia precisou construir uma nova oficina para reparos e construção dos vagões, trens e equipamentos necessários à operação ferroviária. O terreno escolhido foi o da Fazenda Engenho de Dentro, no Engenho Novo, na Freguesia de Inhaúma, que, depois de pouco mais de um ano de obras, passou a sediar o principal complexo de Oficinas de Locomoção, inaugurado oficialmente em dezembro de 1871. Erguida para atender a quatro mil quilômetros de vias, setecentas locomotivas e cinco mil carros de passageiros e vagões, em 1881, a rede de oficinas era considerada a mais importante da América Latina e servia também a outros estados.

Quem anda hoje pela região, no entanto, custa a acreditar neste passado efervescente ligado à ferrovia. Atualmente, o que se vê no entorno, além do Estádio João Havelange, o Engenhão, e da estação de trem, é um bairro com comércio decadente, casas com fachadas descascadas e velhos galpões abandonados. Pois será justamente nesse espaço que a prefeitura irá construir uma nova área de lazer para os moradores da Zona Norte, a Praça do Trem.

ÁREA DE CONVIVÊNCIA: 40 MIL METROS QUADRADOS

A ideia é revitalizar as construções do passado para dar ao local uma unidade. A grande área de convivência, com cerca de 40 mil metros quadrados, será construída ao lado do estádio (feito em parte do terreno das antigas oficinas ferroviárias). E o projeto utilizará justamente os galpões — hoje símbolo do abandono — como ponto de atração dos moradores para a praça. Prevista para ser inaugurada em 2015, a obra da nova praça incluirá, ainda, paisagismo, instalação de um mobiliário urbano, reparos de drenagem e reforma das calçadas, ao custo de R$ 35,8 milhões. A nova Praça do Trem faz parte de um conjunto de intervenções maior que, até 2016, irá entregar à população o Passeio Olímpico Engenhão, um total de 50,4 mil metros quadrados de reformas.

— Vamos revitalizar toda aquela área, melhorando ambientação na entrada do Engenhão junto à linha férrea. Hoje você só tem lá uma passarela e o que a gente quer é abrir aquilo ali para a população, para que as pessoas circulem. Vamos retirar os muros que barram a visão dos galpões, derrubando algumas paredes para criar uma grande praça de convivência. Para isso, vamos reformar os galpões: três serão restaurados e dois, que não têm relevância histórica, serão totalmente desmontados e refeitos — explica o secretário municipal de obras, Alexandre Pinto.

Durante as Olimpíadas, os cinco galpões serão usados como área de acesso ao estádio e de suporte ao equipamento olímpico. Depois do evento esportivo, a prefeitura ainda estuda como as estruturas serão utilizadas. O galpão de alvenaria pode transformar-se num centro cultural ou num museu. Já os galpões de metal, que perderão as paredes, continuarão vazados, sendo usados como grandes zonas de sombreamento na praça. Haverá uma arborização especial, garante a prefeitura, para tornar o espaço — hoje um quadrado de concreto — mais convidativo aos moradores.

— São obras que não foram feitas na época do Pan (Jogos Pan-americanos). Agora, vamos aproveitar o investimento olímpico para recuperar esses galpões. Achamos que vai ser um legado cultural importante para o bairro. São construções que estão fechadas há muitos anos. Ainda vamos avaliar no que eles serão transformados depois — diz o presidente do Instituto Rio Patrimônio, Washington Fajardo. — O trabalho é, antes de tudo, de urbanização, de revitalização do patrimônio de fato. Aquela quadra no passado abrigava importantes prédios da rede ferroviária. Pereira Passos, antes de ser prefeito, quando foi diretor da rede, teve escritório num daqueles galpões de alvenaria.

Uma das novidades vai agradar aos moradores do subúrbio que atualmente se arriscam correndo em volta do Engenhão: as calçadas serão alargadas, permitindo a construção de uma faixa para prática de esporte ao redor do estádio, inclusive ciclovia.

MUSEU E ÁREA PARA PRATICAR ESPORTE

Na vizinhança do estádio do Engenhão, outros dois equipamentos históricos remetem ao passado próspero da antiga ferrovia: a Estação do Engenho de Dentro, do século XIX, cuja arquitetura lembra uma gare europeia, e o Museu do Trem, que reabriu em abril do ano passado depois de seis anos fechado, e funciona nas dependências do galpão de pintura de carros da antiga Estrada de Ferro Pedro II. O prédio e o acervo do Museu do Trem foram tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) em 2011, que inscreveu um projeto de restauração da construção no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas.

TECNOLOGIA É APOSTA

Segundo o superintendente do Iphan no Rio de Janeiro, Ivo Barreto, a primeira fase da obras, que compreenderá toda a reforma de infraestrutura da construção, orçada em R$ 1,4 milhão, deverá ser licitada até o próximo dia 31 de julho. A segunda fase da obra, que prevê a revitalização do museu propriamente dita, está prevista para ser iniciada em 2015 e finalizada antes do início dos Jogos Olímpicos.

— Teremos primeiro uma grande obra de conservação, com reforma da estrutura do galpão, da parte hidráulica, elétrica e dos telhados e da pintura. Paralelamente, vamos elaborar o projeto museológico e de aproveitamento arquitetônico, ou seja, vamos ver o que expor e como expor — diz Barreto. — O museu foi reaberto com o acervo que ele já tinha, que é muito ligado ao passado. Mas queremos ter uma acervo também voltado para o futuro, usando tecnologia e interatividade. Pensamos em ocupar o espaço externo com uma pequena praça de tecnologia ferroviária — adianta.

A estudante de Direito Maria Luiza Souza, de 32 anos, moradora do Méier, costuma correr três vezes por semana no entorno do Engenhão e lamenta que a área em volta do estádio esteja tão degradada.

— Para começar, quando foi construído o estádio, não previram uma área de caminhada no entorno, como é o Maracanã, e somos obrigados a correr e a pedalar na calçada e em parte da rua. Se ganharmos essa ciclovia, vai ser ótimo para quem pratica esporte nos bairros da redondeza — diz a estudante.

OBRA TRARÁ SEGURANÇA

A dona de casa Ana Maria Lima, de 43 anos, acredita que correr, pedalar ou simplesmente caminhar na área de 50,4 mil metros quadrados, depois que o lugar ganhar calçadas largas e árvores e que todos os galpões forem restaurados, será mais seguro e agradável.

— Eu venho aqui desde que inauguraram o estádio, em 2007, e tenho acompanhado a decadência. Essa área é maravilhosa, com galpões e prédios lindos, que contam a historia do nosso bairro. Hoje, eu corro apesar do cenário horroroso. Se revitalizarem, vai ser ainda melhor praticar esportes aqui — diz Ana Maria.

A obra vai solucionar o problema da falta de áreas de convivência na região do Engenho de Dentro, mas, para se tornar um novo espaço de lazer na cidade (e não apenas para os moradores da Zona Norte), a prefeitura ainda enfrentará um outro importante desafio, de mobilidade: melhorar o acesso ao bairro, que atualmente é feito pela estação de trem ou pela Rua Arquias Cordeiro. Quando o estádio do Engenhão estava em funcionamento, nos dias de show e jogos, as vias do entorno sofriam com engarrafamentos.

Fonte: O Globo, 22/06/2014

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