No comando do BNDES há quase quatro meses, Maria Silvia Bastos Marques tem uma visão realista sobre seus desafios no banco. Lembra que assumiu o cargo em um momento de questionamento do papel da instituição e que o resgate da confiança passa por entregar resultados rapidamente. “Nós temos dois anos para fazer isso. ”
Sobre o pacote de concessões do governo anunciado na semana passada, Maria Silvia admite que ainda não é o ideal, mas um modelo de transição que tem como missão atrair o interesse dos investidores para as demandas de infraestrutura do País.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como foram esses primeiros meses no comando do BNDES?
Encontrei o banco muito diferente do que conhecia. Foi uma surpresa. O banco cresceu muito, perdeu um pouco o foco. A minha cabeça ainda estava naquela época. O BNDES tem seu mandato, como instituição de desenvolvimento, como banco social. Isso é extremamente importante quando falamos de recursos públicos, porque não acontecem mais captações de mercado. No breve tempo em que fui diretora (entre os anos de 1991 e 1992), fiz mais de uma emissão de bônus no exterior do BNDES. Era uma prática comum no banco ter captações de mercado.
O que a sra. quer dizer quando fala que o banco perdeu o foco?
É preciso ter prioridades mais bem definidas. Com isso, se consegue impactar e até transmitir melhor para a sociedade o que o banco faz. Eu entrei no banco em um momento de questionamento do papel da instituição, da história da caixa preta. Isso foi muito impactante porque, para mim, o BNDES sempre teve uma imagem muito boa, sempre foi tido como um grande ativo do Brasil, e isso foi questionado nesse período. Isso impactou muito aqui dentro. Encontrei um conjunto de problemas grandes. Com parte deles, a gente ainda está se debatendo.
Já foi possível mapear todos os problemas?
Boa parte já foi mapeada, porque o Tribunal de Contas fez auditorias extensas no banco. Elas são um ótimo roteiro do que a gente deve olhar e fazer. Mas é tudo público. Tem a questão das concessões que estão paradas. Como você resolve isso? Tem a questão das empresas para as quais o banco emprestou, e outros bancos também emprestaram dinheiro, e elas estão na Lava Jato. O que se faz com isso?
Um dos questionamentos feitos nos últimos anos foi sobre o favorecimento do banco a grandes grupos, sobre a política dos campeões nacionais. Como a sra. vê isso?
A política de campeões nacionais foi uma política explícita de governo e o banco foi instrumento para isso. Se tivesse sido extremamente proveitoso para a sociedade, ninguém estaria aqui discutindo. Quando tudo dá certo, todo mundo se beneficia. Quando tudo não funciona, como aconteceu, o que se discute é: o que foi feito não gerou para sociedade brasileira o impacto que deveria. Eu não acredito que seja assim que se faz. Competitividade e incentivos se dão de forma horizontal, e não vertical. Toda moderna economia, a moderna forma de se trabalhar em governos, é assim. Os fatos mostram que é isso que dá resultados.
Subsídios não são bem-vindos?
Subsídios todo mundo dá. Mas como transição para alguma coisa. Incentivo não pode ser dado para a vida inteira. Estamos em um momento de repensar isso tudo.
E qual o principal desafio do BNDES hoje?
O banco precisa entregar (resultado). Temos dois anos para fazer isso. É um tempo muito curto.
Na terça-feira, o governo lançou um novo pacote de concessões de projetos de infraestrutura. Qual é a diferença entre esse pacote e o programa de concessões do governo Dilma?
No governo anterior, as concessões aconteceram de uma forma muito pontual. Não havia um programa. Nós estabelecemos um programa, um pouco nos moldes do que havia antes do PND (Programa Nacional de Desestatização), que tinha um programa claro, com regras definidas. A criação do PPI (Programa de Parceria e Investimento) foi nesse sentido de dar institucionalidade a alguma coisa que precisa dessa institucionalidade. Quando falamos de infraestrutura é diferente de quando falamos em vender uma empresa. Um programa bem diferente de quando o banco vendeu a Vale, CSN e Usiminas. Estávamos falando em vender companhias produtivas e transferir ativo. Agora, estamos falando em fazer concessões que duram de 20 a 30 anos. É preciso ter um ambiente regulatório extremamente bem definido, contratos muito bem feitos, definições das regras do leilão muito bem feitas para não termos lances absurdos que depois não se concretizam.
O modelo de concessão apresentado é suficiente para atrair os investidores?
Estamos em transição. Ainda não temos um programa perfeito e ideal. Porque estamos saindo de uma realidade e indo para outra. O Brasil continua com déficit público e acabou de sair de uma transição política, com um presidente que agora é permanente. Não é possível sair de um ponto A para um ponto B sem fazer uma trajetória. Temos projetos que já vinham do governo anterior, como a Celg e os aeroportos, que também já estavam em curso. Pegamos o que deu errado e falamos: não vamos cometer os mesmos erros, vamos corrigir.
Quais foram os ajustes?
Agora, quem entrar em um leilão terá de entrar com dinheiro próprio. No passado, se financiava até 100% (pelos bancos públicos). Agora, o máximo é de 80%. Se houver ágio no leilão, vai ter de ser pago na frente. Os editais vão ser feitos em inglês. Isso é uma coisa tão básica, parece surreal (que não tenha sido feita). É muito discutido como minimizar os riscos, os seguros e garantias. Eu participei de investimentos pesados na prefeitura, estava na Olimpíada. O parque olímpico foi feito com uma PPP (Parceria Público Privada) que funcionou perfeitamente. Mas investimos um tempo muito grande no projeto. A grande lição de tudo isso é que se precisa ter bons projetos, um projeto básico muito bem definido, e aí se mitiga o risco.
Por isso a transição…
Porque certamente não vamos ter os investidores privados nessa fase como gostaríamos, bancando 100%. Acho difícil, embora a gente vá brigar por isso. Vamos fazer o road show, vamos explicar.
A senhora está confiante no sucesso do programa?
Acredito que com o tempo os investidores privados virão. Porque se os projetos são atrativos e há carência de boas oportunidades de investimento, não há porque não virem. Se não vierem, é porque tem alguma coisa que precisa ser ajustada, ou porque a economia não respondeu ou porque não estão acreditando no ambiente regulatório. É muito importante essa conversa e essa abertura para a gente ir caminhando até ter o edital. Lembrem-se de que não saiu nenhum edital de venda.
Incertezas ainda envolvem novo plano de concessões
Valor Econômico – A estrutura de financiamento ainda se manterá dependente de recursos públicos, com a compra de debêntures pelo BNDES e pelo FI-FGTS
O novo pacote de concessões de infraestrutura, lançado na semana passada pelo presidente Michel Temer como espécie de divisor de águas para restaurar um ambiente de confiança na economia brasileira, acertou no diagnóstico. O plano evita boa parte dos erros que contaminavam a cartilha da ex-presidente Dilma Rousseff para atrair investimentos privados ao setor.
Quase tudo do que foi dito vai na direção correta e pode ser interpretado como um início inspirador: o fim das taxas de retorno espremidas, a necessidade de apontar viabilidade ambiental nos projetos licitados, mais prazo entre a publicação dos editais e os leilões, a ausência da Infraero nos próximos leilões de aeroportos, o enterro do modelo que usava a Valec como garantidora de contratos de longo prazo das ferrovias, menor dependência de crédito subsidiado para tornar os empreendimentos lucrativos.
O diabo mora no que não foi dito. A estrutura de financiamento ainda se manterá dependente de recursos públicos em um primeiro momento, com a compra de debêntures pelo BNDES e pelo FI-FGTS, sem que se tenha uma ideia clara do grau de disposição de bancos privados em participar da engrenagem financeira dos projetos. Para ficar em uma única fonte de incerteza: a equação fecha, do ponto de vista das futuras concessionárias, com a emissão de debêntures quando os juros básicos estão em 14,25% ao ano? Também não está claro, sem a conveniência dos empréstimos-ponte, quanto tempo vão levar as empresas para obter um financiamento de longo prazo capaz de deslanchar obras que o erário não tem mais condições de executar.
É louvável a disposição do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) em perseguir regras mais amigáveis para o mercado, mas ainda é prematuro afirmar categoricamente que o novo pacote conseguirá extrapolar uma declaração de boas intenções. Não se sabe, por exemplo, como conciliar a acertada combinação de taxas de retorno mais sedutoras ao capital privado e menos crédito subsidiado com tarifas de pedágio minimamente palatáveis aos usuários de rodovias concedidas. O governo poderá encontrar interessados em assumir a Ferrovia Norte-Sul e a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), que receberam investimentos bilionários da Valec e têm obras em estágio avançado, mas não surgiram explicações novas sobre como tirar do papel projetos ferroviários, como a Ferrogrão, incluídos em programas anteriores de concessão, como as duas malfadadas versões do Programa de Investimentos em Logística (PIL).
Outra pergunta que se manteve sem resposta é como consertar os erros do passado. As licitações de rodovias feitas por Dilma em 2013 começaram bem. O deságio obtido com os lances vitoriosos produziu tarifas aceitáveis e as obras de duplicação tiveram um começo promissor, mas perderam o ritmo e hoje o que se verifica é uma espiral de atrasos no cronograma de investimentos. Os aeroportos repassados à administração privada correram contra o relógio e conseguiram entregar quase todas as ampliações de terminais prometidas para os grandes eventos esportivos, mas ficaram sem dinheiro para pagar valores estratosféricos de outorga. Em todos os casos, o tombo na demanda causado pela recessão prolongada aumentou a agonia das empresas, que acreditaram em um cenário de crescimento sustentável. Pouco se sabe, até agora, a respeito da aguardada medida provisória que acena com a repactuação desses contratos ou a relicitação de projetos cuja viabilidade acabou se perdendo.
Uma das chances de destravar rapidamente novos investimentos em infraestrutura seria a prorrogação antecipada de concessões de rodovias e ferrovias que já se aproximam do final, como a Nova Dutra e a ALL Malha Paulista, que vinham negociando com o governo aportes bilionários em troca de mais tempo à frente de seus ativos. Ao contrário do que se esperava não houve sinalizações.
A maior parte das incertezas não se dissipará antes da publicação dos editais, e é improvável que haja qualquer desembolso relevante nos projetos anunciados antes de 2018. Por isso, embora tenha agradado mais a iniciativa privada do que suas versões anteriores, o novo programa de concessões ainda não constitui um mapa confiável de como a infraestrutura será modernizada.
Fonte: Estadão, 19/09/2016
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