A reformulação geral que o governo decidiu promover no setor ferroviário terá impacto direto nas atuais concessionárias de ferrovias. Em cada metro dos 10 mil km de novas ferrovias que serão construídas pela iniciativa privada, passará a vigorar o modelo de “acesso aberto”, que rompe com a regra de exclusividade de operação na ferrovia que está em vigor até hoje.
Por meio da estatal Valec, essa nova malha poderá ser usada por diversas empresas interessadas em transportar carga em um determinado trecho. No pacote divulgado ontem no Palácio do Planalto, o ministro dos Transportes, Paulo Passos, fez questão de dizer em seu discurso que o governo está empenhado em acabar com o “monopólio” que reduz a competitividade e aumentar o preço do frete ferroviário no país. O combate ao monopólio também foi razão de aplauso durante a exposição feita pela presidente Dilma Rousseff.
O Brasil tem hoje malha ferroviária de 28 mil km, concedida ao setor privado. A construção de mais 10 mil km significa um aumento de mais de 35% sobre a estrutura atual. É com o peso dessas novas rotas de acesso que a União pretende impor a regra de mercado aberto às concessionárias que já atuam no mercado, ou seja, o objetivo é fazer com que a malha antiga também abra mão da exclusividade e passe a privilegiar a livre competição.
O assunto já foi tema de debates e críticas constantes entre governo e concessionárias, que sempre alertaram para o risco de uma eventual quebra de contrato e chegaram a afirmar que, caso a proposta fosse levada adiante, iriam à Justiça para garantir os termos do que assinaram na década de 90, quando a União decidiu fechar as portas da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA).
O mau humor passou. Segundo Bernardo Figueiredo, ex-diretor geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que agora assume a presidência da nova estatal Empresa de Planejamento e Logística (EPL), a polêmica é coisa do passado. “Essa questão está pacificada com as concessionárias. O modelo será aberto e as empresas concordaram com isso.”
Como atestado de união, ontem foi assinado um termo de cooperação entre o governo e quatro concessionárias, que são responsáveis por quase 100% da malha concedida: América Latina Logística (ALL), Ferrovia Centro-Atlântica, MRS e Transnordestina. O presidente da Associação Nacional de Transportes Ferroviários (ANTF), Rodrigo Vilaça, ratifica o compromisso de cooperar com a expansão do modelo.
“Recebemos com muito entusiasmo essa decisão de ampliação da malha federal tomada pela presidente Dilma Rousseff e queremos ter uma profunda relação de parceria com o governo”, diz. “Vamos acompanhar agora, em detalhe, como esse novo modelo irá de fato se efetivar.”
Vilaça destaca que, sobre o modelo de negócio proposto para os novos trechos, não há nenhum tipo de restrição que possa ser apontada pelas concessionárias. Nos trechos antigos, porém, diz Vilaça, a questão tem suas ponderações. “Entendemos que os trechos atuais que hoje estão a plena carga não serão afetados por essa nova abordagem”, comenta o presidente da ANTF, que representa as concessionárias.
“Há vários trechos com grande volume de tráfego de minério e de soja, por exemplo, que estão operando a plena capacidade e que não teriam meios, portanto, de outras companhias entrarem. Acredito que essa questão também esteja pacificada”, afirmou Vilaça.
O reposicionamento da Valec, – que deixa de construir ferrovias e passa a atuar como uma operadora comercial da malha – também vai permitir que a estatal passe a comprar capacidade de tráfego de cargas nos trechos já concedidos de ferrovias e os ofereça ao mercado. Essa abertura atenderá uma demanda antiga e frequentemente apontada por grandes produtores agrícolas do país, que reclamam de preço alto e da qualidade dos serviços prestados pelas concessionárias. As negociações entre a Valec e as companhias devem começar em breve.
Fonte: Valor Online, 16/08/2012