A cerimônia de ontem no Palácio do Planalto –, quando o governo anunciou sua “agenda positiva”, prevendo investimentos de R$ 198,4 bilhões em ferrovias, portos, aeroportos e estradas – foi um replay reduzido do Programa de Investimento em Logística (PIL) lançado há três anos, no mesmo Palácio do Planalto. No que diz respeito às ferrovias, a grande mudança foi o abandono do chamado modelo horizontal e a manutenção do modelo vertical, de outorga, exatamente o mesmo que vigora nas atuais concessões. Dos 11 mil quilômetros de ferrovias do PIL original, ficaram 4 mil quilômetros. Dos 14 traçados ferroviários anunciados em 2012 (incluindo o Ferroanel de São Paulo), sobraram quatro.
No pacote de ontem, foram anunciados investimentos da ordem de R$ 16 bilhões, a serem feitos pelos atuais concessionários, mas o governo não definiu quando, nem em que condições, vai renovar os contratos de concessão, premissa básica para que os investimentos de fato se realizem. Para os novos trechos ferroviários a serem licitados, as regras para as concessões e o modelo de financiamento também não foram esclarecidos. Embora o crédito do BNDES para as ferrovias possa até chegar a 70%, tudo será analisado caso a caso.
Nós vamos assegurar o direito de passagem, para integrar a malha existente às novas concessões. E vamos adotar o modelo de licitação por outorga ou por compartilhamento de investimento. Cada caso terá o modelo mais adequado”, resumiu o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa.
A Ferrogrão, que iria de Sinop (MT) a Miritituba (PA), foi anunciada partindo de Lucas do Rio Verde (MT), com custo estimado de R$ 9,9 bilhões. A concessão do trecho Palmas(TO)-Anápolis(GO), da Ferrovia Norte-Sul, foi atrelada à construção do trecho Açailândia(MA)-Barcarena(PA), no extremo oposto da ferrovia, num valor estimado de R$ 7,8 bilhões. Ainda na Norte-Sul, foi anunciada a intenção de concessionar a construção do trecho Anápolis(GO)-Estrela D´Oeste(SP) – R$ 4,9 bilhões. O projeto do governo do Rio de Janeiro de recuperar a ligação Rio-Vitória(ES) foi incluído em audiência pública e estimado em R$ 7,8 bilhões.
Somados os quatro trechos e os investimentos dos atuais concessionários, chega-se ao valor de R$ 46,4 bilhões para ferrovias. Além disso, também foi anunciado o grandioso projeto de ligar o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico, batizado de Ferrovia Bioceânica. Uma conta de mais R$ 40 bilhões e 3,5 mil quilômetros, só no lado brasileiro. Sem contar o cruzamento da Cordilheira dos Andes para chegar ao Pacífico.
As ferrovias são o grande desafio do Brasil. Passamos 30 anos sem fazer ferrovias de forma expressiva. Com a construção da Bioceânica, acredito que daremos passo decisivo para inserir as ferrovias no modal brasileiro, proclamou a presidente Dilma Rousseff em seu discurso.
A Empresa de Planejamento Logístico (EPL) – criada para transformar o PIL em realidade há 3 anos – sequer foi mencionada na cerimônia de ontem. A Valec – que seria a gestora operacional da parte ferroviária do PIL original e que nos últimos 2 anos vem tentando criar um corpo técnico e profissional em ferrovias no setor público – também foi completamente ignorada nos planos do governo.
Mas a cerimônia de ontem foi concorrida. O governo convidou tanta gente, que houve congestionamento de jatinhos no aeroporto de Brasília. E se a intenção era chamar o capital privado para os investimentos em infraestrutura, feitas as contas, o que foi anunciado não deixou o empresariado muito animado.
O modelo de financiamento anunciado para rodovias, aeroportos e portos, atrelando o percentual de financiamento do BNDES à emissão de debêntures pelo concessionário privado, também foi recebido com cautela. A taxa básica de juros, a Selic, que era de 7,25% em 2013, chegou a 13,25% semana passada e deve continuar subindo. Emitir papéis com juros tão elevados pede uma taxa de retorno que talvez o investimento não seja capaz de suportar.
A pergunta que fica no ar é: se o PIL não saiu do papel há 3 anos, quando o quadro era mais favorável, como vai acontecer na atual conjuntura econômico-financeira tanto do governo (e do BNDES) quanto das grandes empreiteiras? “Não vai faltar dinheiro”, garantiu o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na coletiva aos jornalistas.
Fonte: Revista Ferroviária, 10/06/2015
Por: Regina Perez